Uma aposta na revolução pela arte
"Arte que não se explica, que não dá recados, que não tem um objetivo que não o de ser arte. Arte sem porquê. É isso que o Núcleo de Criação do Dirceu, que funciona no Teatro João Paulo II, tem feito desde março deste ano, quando foi criado. São 18 artistas que dedicam seus dias a estudar, pesquisar,aprender e criar sem se prender a rótulos. Não espere ver um espetáculo de dança, ou de teatro, ou de mímica, ou um musical. Não agora. Não enquanto eles estão, segundo as palavras do bailarino e coreógrafo Marcelo Evelin, borrando os limites que existem entre essas formas de expressão. Além de receber formação, contando com aulas e oficinas de profissionais brasileiros e estrangeiros, os artistas do NCD estão repassando o que aprendem à comunidade do bairro Dirceu, o maior de Teresina. Tão grande e tão independente do resto da cidade que existe um movimento que propõe desmembrá-lo e criar um novo município. Evelin conta que oito artistas já estão ministrando oficinas para a comunidade, mas que a procura não é tão grande quanto poderia ser. "As oficinas têm trazido as pessoas do bairro para o teatro, mas não posso dizer que temos uma relação estreita. A comunidade é gigantesca e só uma pequena parte vem aqui com certa freqüência. Acho que eles poderiam vir mais, ainda temos vagas para algumas oficinas". Quem freqüenta as oficinas e cursos – de dança, teatro, percussão, hip hop e artes plásticas - assume um compromisso sério, porque o Núcleo exige disciplina. "Já existe uma certa mudança de comportamento em quem está sempre por aqui. Só o fato de ter disciplina de vir já é uma mudança, tem crianças que estão sempre por aqui, eu sinto que elas já falam comigo de um jeito diferente; eu noto que as pessoas já assistem aos espetáculos e têm alguma coisa para dizer, diferente de como era no começo". O coreógrafo explica que o objetivo principal do Núcleo é oficializar o artista não só como um fazedor de coisas, um apresentador de coisas, mas também como um estudioso, um pesquisador que tenta encontrar novos conceitos, novas direções. "As criações têm o mesmo nível de importância porque a gente não está tão preocupado com os resultados, estamos mais preocupados com o processo da criação. O trabalho do Núcleo está centrado no intérprete-criador e tem que dar condição pros artistas de criarem seus próprios trabalhos". Para Elielson Pacheco, bailarino profissional, uma das grandes diferenças do trabalho no NCD em relação aos demais trabalhos de dança a que está acostumado está relacionada à consciência do próprio corpo. "Não é que eu faça hoje coisas que eu não fazia, é que eu faço com consciência e vejo as mudanças que estão acontecendo no meu corpo".
A bailarina Janaína Lobo diz que o Núcleo foi o espaço que encontrou para fazer coisas com mais valor artístico, com mais consistência. "Ninguém está aqui para fazer só uma dança, uma pecinha de bobeira para ganhar um dinheiro". A fusão de dança, teatro e mímica é o que mais encanta o bailarino Luis Carlos Vale. "Eu gosto do novo. O trabalho que é desenvolvido aqui é interessante porque foge dos conceitos. Não fazemos balé clássico. Acho que isso poderia ser mais visto, eu sinto falta da participação da classe artística daqui de Teresina, eles não vêm aqui, não discutem os espetáculos. Isso poderia ser rico para todos nós".
Layane Holanda é atriz há dez anos e revela que sua formação até entrar no NCD tinha um formato bem conhecido do que é fazer teatro: decorar textos, inventar personagens e participar de uma istória. "As experiências que estamos tendo com o Marcelo e com a dança e a arte contemporânea me trouxeram dados novos, inclusive sobre a necessidade de se questionar e de produzir conhecimento através do trabalho. A idéia da não-atuação, da não-representação, do teatro físico, da mímica que não é a mímica que todo mundo conhece, isso trouxe pra mim uma nova necessidade e uma nova idéia do que é trabalhar com artes cênicas ou artes performáticas. Pra mim não é mais eu fingir que sou uma bruxa, ou um padre, ou uma rainha; eu tô num momento de transição. Eu não sou bailarina, eu não danço, e eu tô descobrindo que todos esses conceitos e rótulos são apenas conceitos e rótulos: ser bailarina ou ser músico ou ser ator".
De dentro da comunidade
Dentre os artistas do NCD, Layane e o músico Fábio Crazy se destacam não só por serem os mais falantes, mas principalmente por serem moradores do Dirceu e conhecerem muito de perto a realidade do bairro. Eles sentem todos os dias a mudança que o teatro causou e continua causando na comunidade. Enquanto quem está de fora – como eu, outros jornalistas, outros artistas e quase todo mundo que não mora lá – acha pouco ver 80, 100 pessoas assistindo aos Instantâneos no JPII, eles afirmam que é a comunidade do Dirceu quem mais freqüenta o teatro. Fábio Crazy apareceu na cena artística de Teresina na banda Narguilê Hidromecânico, agora também dança e atua e faz questão de enfatizar que já está acontecendo um grande processo de mudança. "Eu vejo uma relação diferente da comunidade com o teatro. É muito claro para mim a mudança que está acontecendo na auto-estima das pessoas por ter um teatro aqui no bairro; e não é só do público que vem, é também dos funcionários, da técnica. Eu às vezes almoço num restaurante do mercado e as pessoas já me conhecem do teatro. O maior público aqui é de pessoas da comunidade, eu já vejo os pais trazendo seus filhos para os espetáculos infantis... Mas a gente tem que ver que o teatro só tem um ano. Acho que seria demais pedir que todo dia isso aqui estivesse lotado de moradores do Dirceu; não é que eu ache que já está de bom tamanho, mas já vejo as coisas acontecendo sim". Ele dá aulas de teatro e afirma que seus alunos são pessoas absolutamente interessadas. "Comigo o cara tem que dizer por que está ali, por que vai ser impossível ficar se não for para fazer exatamente aquilo que a gente está propondo fazer juntos. Eu não sei se todos eles querem ser artistas, mas no momento querem fazer teatro, por alguma razão que eu não sei qual é e que talvez seja até melhor eu não saber", comenta. Layane comenta que mora no Dirceu desde pequena e acha engraçado as pessoas ainda se referirem ao bairro como se fosse outro lugar. "A gente adota esse tipo de postura porque isso realmente é o que acontece. Como é um bairro onde as pessoas têm quase tudo, elas ficam muito aqui. Chegamos a um ponto em que a chegada do teatro veio suprir uma necessidade que já existia. Eu não posso fazer um discurso otimista a ponto de dizer: 'Nossa, que sucesso nós estamos fazendo'. Não. Mas é uma coisa que já reverbera no bairro, que todo mundo já tem conhecimento, é impossível encontrar alguém que more aqui que nunca ouviu falar, ou que o vizinho não veio, ou que não conhece alguém que se apresenta".
Como se trata de um bairro da periferia de Teresina, existe um grande preconceito das pessoas em ir para o Dirceu. "Muita gente ainda acha que o teatro fica no fim do mundo. E tem também a barreira cultural: 'é lá na periferia, se eu for meu carro vai ser riscado', ou 'termina tarde'. No blog fizemos um questionamento exatamente sobre isso: cadê a imprensa? Onde é que estão todos os estudantes de todas as faculdades de Teresina? Os alunos do curso de Arte, formados ou não da UFPI? Onde estão todos os alunos de todas as escolas de dança do Estado? Onde é que tá esse pessoal? Eu fico realmente curiosa. E eles continuam eventualmente escrevendo e falando sobre, mas eu não sei como, porque eles não vêm ver".
Overmundo fazendo escola
Layane anda empolgada com a nova idéia do NCD. "O núcleo, o teatro e o Instântaneo estão com um espaço, criamos um blog. Primeiro foi em função de um problema no nosso site, que está fora do ar. E além disso, o Marcelo costuma dizer que com o blog nós estamos ocupando outro espaço que existe, onde as pessoas trocam informações, conversam, os projetos acontecem. A gente quer que pessoas não só aqui do teatro e do Dirceu, mas do mundo, se aproximem, troquem informações e saibam o que está acontecendo no NCD e no JPII". Ela conta que o Núcleo está fazendo contato com outros grupos, outros núcleos que desenvolvem projetos de arte contemporânea. "Existem festivais, eventos, toda uma rede, como um cenário, um circuito, assim como existe em todas as outras áreas, seja na moda, na música. Nossas discussões tem sido ampliadas através do blog. Mas acho que as pessoas de Teresina e do Piauí poderiam acessar mais". É possível encontrar lá textos de integrantes do Núcleo, vídeos com performances e também artigos de artistas e jornalistas falando sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no teatro. "O blog é coletivo pros integrantes do Núcleo e mais a professora Shara Jane, que tem nos ajudado. A idéia é que ele seja coletivo nos mesmos moldes do Overmundo, qualquer pessoa que queira participar, pode". "
3 comentários:
textão né..sem nenhum recadinho por lá acredita..eu nao escrevi nada sobre pq já falo na materia né... ô povinho que não interage nan...
Eu estou chegando agora, devagarinho, quase pisando como passarinho... e bicando algumas doses de sabedoria produzida por esse grupo que está no JPII, posso dizer que acho muito interessante o que acontecendo por lá... há um circuito que se instalou e que começa a desconstruir, entre muitas coisas, os muitos estereótipos e estigmas presentes no nosso convívio sobre o bairro. Arte em um bairro de periferia? A periferia é o mundo deslizando sem centro... e isso é maravilhoso! Gostei muito de ter convivido um pouco entre eles, pode crer! E quero mais, se deixarem! Gostei do que li Natasha, voce é muito sensível e conseguiu resgatar um pedacinho deles no seu texto - criadores do Dirceu. Shara.
Pensei que só eu tinha notado a falta de comentários lá no Overmundo...
Layane, vai lá e fala, ué! Acho que vc devia ser colaboradora do site, vc tbm, Janaina.
Acho que o Nucleo podia aparecer mais por lá, escrever, postar fotos, videos...
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